Corte Interamericana pode julgar decisão do STF que reduz valor de ação trabalhista

Escritório de Advocacia pede à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que o Estado brasileiro reveja a decisão do STF que excluiu a correção monetária, de acordo com a inflação, de ações trabalhistas  

Escrito por 1 de abril de 2024
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Ao julgar ações de diversas entidades que discutiam a correção dos débitos trabalhistas pela Taxa Referencial (TR), o Supremo Tribunal Federal (STF), acabou por excluir o direito do trabalhador e da trabalhadora, que têm crédito trabalhista a receber, de ter o valor corrigido monetariamente, de acordo com a inflação. Além disso, o STF substituiu o direito aos juros de mora de 1% ao mês pela Taxa Selic e afirmou que a incidência de qualquer outro índice de atualização implicaria em dupla cobrança, o que não é permitido pelo ordenamento jurídico.

A Justiça do Trabalho tem, historicamente, dois índices que são aplicados ao crédito trabalhista, depois da distribuição da ação. Um é o índice de correção monetária para recuperar o poder de compra, que no texto da lei dizia Taxa Referencial (TR). O outro são os juros de mora, de 1% ao mês.

Tais juros visam indenizar aquilo que o trabalhador perdeu em virtude da demora do ex-empregador em pagar o que deve. Já a correção monetária nada mais é do que um instrumento para se devolver ao crédito o seu valor real, corroído pela inflação.

A decisão do STF está sendo contestada pelo Escritório de Advogados e Advogadas LBS, que assessora a CUT Nacional, junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em virtude de um cliente ter perdido em torno de R$ 600 mil (mais de 50% do valor), em uma ação trabalhista que já tinha sido transitada em julgado.

Para os advogados a decisão do STF implica em violação direta ao direito de propriedade, protegido na forma do Artigo 21, da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).

A origem do recurso à Corte Interamericana

O advogado do LBS, Felipe Vasconcellos, explica os motivos do escritório ter recorrido à Comissão Interamericana contra o Estado brasileiro. Segundo ele, embora a violação venha do Poder Judiciário, ele é um braço do Estado, então o Estado brasileiro pode ser responsabilizado, o que é diferente do governo.

“Esse processo vai ser discutido, primeiramente, em uma fase de admissibilidade; se admitido, o mérito será analisado. Ao final, a Comissão Interamericana emite um relatório com solicitações ao Estado brasileiro. Se a Comissão Interamericana for favorável aos trabalhadores, o Brasil terá de cumprir a decisão e garantir a correção monetária para todos os credores trabalhistas, isso porque está submetido à jurisdição internacional por ter ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos”, explica Vasconcellos.

No caso de sua cliente, o advogado conta que a ação foi ajuizada em 2012, e quando ela já estava para receber o valor da indenização, definido pelo TST, o Supremo decidiu excluir dos créditos trabalhistas o direito à correção monetária de acordo com a inflação e substituir o direito aos juros de mora de 1% ao mês pela Taxa Selic, que na época estava em 2% ao ano.

“Para se ter uma ideia As verbas salariais tiveram uma corrosão de cerca de 95%, se considerada a inflação do período da distribuição da ação até março de 2024. Então, o impacto é gigantesco e prejudicou não apenas nossa cliente, mas milhões de trabalhadores”, explicou Vasconcellos.

Segundo ele, esse tema já foi objeto de análise na Corte Europeia de Direitos Humanos, no caso Solodyuk v. Rússia (2005), que reconheceu a violação ao direito de propriedade em decorrência do ônus individual excessivo imposto pelos efeitos da inflação.

O secretário de Assuntos Jurídicos da CUT Nacional Valeir Ertle, apoia a decisão dos advogados de recorrem à Comissão Interamericana porque, de acordo com ele, o Supremo tem invalidado diversas decisões do Tribunal Superior do Trabalho que favorecem os trabalhadores, como nos casos da terceirização, o vínculo empregatício entre motoristas e empresas de aplicativos e a negociação individual sobre a coletiva.

“Eu acho que a Corte Interamericana de Direitos Humanos pode ter uma decisão que pressione o governo brasileiro a rever essa posição. Já aconteceu de uma decisão da OIT [Organização Internacional do Trabalho] obrigar o STF a rever sua posição”, diz.

Valeir explicou que o caso era referente à Participação de Lucros e Resultados (PLR), que o Supremo decidiu, antes da reforma Trabalhista de 2017, que poderia ser negociado pelas empresas individualmente com o trabalhador, em vez da negociação coletiva.

A ADC nº 58

A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 58 foi julgada no STF depois de diversas discordâncias em relação às decisões da Justiça do Trabalho já que alguns juízes eram favoráveis aos trabalhadores ao aplicarem um índice melhor de correção e outros aos empresários, que eram beneficiados ao pagarem menos. Neste último caso, o trabalhador era prejudicado duas vezes: por não receber aquilo o que lhe era devido imediatamente e receber seus direitos depois de muito tempo sem uma indenização condizente com o dano.

O STF acabou determinando que a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e a correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados o Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA-E), na fase pré judicial, e a partir da citação, a incidência será da taxa Selic.

A ADC foi ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif)e foi seguida de outra ADC ajuizada pela Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (Contic) e outras duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5867 e 6021, propostas pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), todos sobre temas correlatos e que foram julgadas em conjunto.

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