13 de maio: A liberdade não veio das mãos de Isabel

Escrito por 13 de maio de 2019
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Quem atribui a libertação à princesa nega toda a história de luta anterior à assinatura
“A liberdade não veio das mãos de Isabel… É um dragão no mar de Aracati”. Dois versos do samba-enredo campeão do carnaval do Rio de Janeiro em 2019 colocaram por terra 131 anos de historiografia oficial. Diz o provérbio africano que, “até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador”. A letra do samba, que tem por base a pesquisa histórica, revela que mais pessoas estão se dispondo a contar o ponto de vista dos felinos.
Desde cedo se aprende nos bancos escolares que a “generosidade” da princesa permitiu ao povo negro livrar-se dos grilhões e ganhar a liberdade com que sonhavam desde que foram aprisionados nas savanas africanas. Mas, como no provérbio africano, este é o ponto de vista dos caçadores. A “história” ensinada aos descendentes dos escravizados esconde o papel ativo que seus antepassados tiverem na luta pela sua própria libertação.
Em seu livro, Escritos da Liberdade: Literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista, a historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto informa que o primeiro censo demográfico realizado no Brasil do século 19 apontou um dado importante: seis em cada dez pessoas pretas e pardas já viviam nas condições de livres e libertas, 16 anos antes do fim da escravidão. Homens e mulheres negros constituíram experiências de liberdade na sociedade escravocrata, com a formação de redes até mesmo transnacionais de escritores, jornalistas e artistas que lutavam pelo abolicionismo e projetos de cidadania.
“Nossa tendência é a de não reconhecer estes sujeitos no chão da história onde se assenta a dicotomia senhores brancos e escravizados negros. Mas, na liberdade, o exercício da cidadania era interditado cotidianamente a pessoas negras por conta do racismo”, afirma a historiadora. O racismo sequestrou outra história sobre o abolicionismo E ainda, impediu que chegasse até os dias de hoje relatos sobre projetos de liberdade e de fim da escravidão protagonizados por sujeitos negros, e também expressões mais radicais e populares que articulavam organizações de trabalhadores de “baixo prestígio”.
Estes projetos lidavam com expectativas não só de libertação dos escravizados, mas com o consequente desmonte dos entraves colocados ao exercício pleno da cidadania daquelas pessoas que já viviam em liberdade.
Arranjo das elites
No dia 13 de maio de 1888, há 131 anos, o Senado Imperial do Brasil aprovou uma das leis mais importantes da história do país, a Lei Áurea, que extinguiu a escravidão. Mas, não era apenas a liberdade de seres humanos escravizados que estava em jogo naquele momento. Outra questão estava posta na mesa: a reforma agrária.
De acordo com o historiador Luiz Felipe de Alencastro, o debate sobre a repartição das terras nacionais havia sido proposto pelo abolicionista André Rebouças, engenheiro negro de grande prestígio. Sua ideia era criar um imposto sobre fazendas improdutivas e distribuir as terras para ex-escravos.
Joaquim Nabuco, também abolicionista, apoiou a ideia. Mas, fazendeiros, republicanos e mesmo abolicionistas moderados ficaram em polvorosa.
“A maior parte do movimento abolicionista republicano fechou com os latifundiários para não mexer na propriedade rural”, diz Alencastro. A aprovação da Lei Áurea é fruto deste arranjo. Os escravizados foram libertos, porém, sem nenhuma compensação ou alternativa para se inserirem no Brasil livre. “Livres do açoite da senzala, porém, presos na miséria da favela”.
Não ao redentorismo
Um debate que começou antes mesmo da promulgação da Lei Áurea, e permanece ainda hoje, gira em torno do tratamento que se deve dar à princesa Isabel. Mesmo entre os negros e negras, muitos a consideram como a “redentora, por ter lhes dado a liberdade”. Mas, será que foi isso mesmo?
Os historiadores dos leões há anos vêm mostrando outros pontos de vista para as histórias de caçadas. E a verdade em torno da assinatura da Lei Áurea mostra o que ela é de fato: produto de um arranjo entre as elites e não uma ação política para colocar fim ao flagelo da escravização de seres humanos negros e negras.
Para o Coletivo de Combate ao Racismo da subsede Campinas da CUT Estadual São Paulo, o 13 de maio não é um dia para comemorações. É muito mais uma data que convida à reflexão e ao debate sobre o estado atual de desigualdades social e racial no Brasil. A história não pode ser contada somente do ponto de vista dos vencedores. Era assim até há alguns anos atrás. A mudança de paradigmas e referências revelou outras histórias capazes de mudar visões e mentalidades.
A partir do momento em que se reconhecem protagonistas de sua própria história, negros e negros ampliam a consciência de que sua realidade atual pode, e deve, ser diferente. Que é necessário lutar de forma permanente contra o racismo e toda e qualquer forma de discriminação; e contra o desmonte das políticas públicas destinadas a reparar o flagelo da escravidão e resgatar a dívida histórica.

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